Há anos, a Mostra de Cinema de São Paulo faz parte da minha vida. Este ano, não será diferente. Ou melhor, vai ser sim. Leon vai fazer falta.
O festival entrou na minha vida em 1991. Estava estudando no Logos ainda e tínhamos aula de cinema na optativa de humanas. Um dia, fomos participar do Programa Livre, do Seginho Grossman, e o convidado era o cineasta Alan Parker - que estava em SP à convite da Mostra com o filme "The Commitments". Eu brinco que este dia foi o começo da minha carreira porque fiz uma pergunta ao diretor (perguntei se ele fazia filmes publicitários só para ganhar dinheiro e fazer os seus próprios filmes, o que ele respondeu que sim...). No final da noite, fomos para uma sessão lotadíssima no cinema do Masp. Foi o começo.
Anos mais tarde, a Maria Angela de Jesus me chamou para trabalhar na Mostra, no receptivo. Foram dois anos nesta função: buscar e levar convidados para o aeroporto, ajudá-los a fazer credencial, levá-los na sessão de cinema - apresentá-los ao público e traduzir seus discursos, levar para jantar, almoçar e nas festas... era muito trabalho, sem hora pra acabar, uma média de 4 horas de sono por dia. Mas era sensacional.
Desses dois anos, eu ganhei histórias inesquecíveis...
- Acompanhar o Mestre Manoel de Oliveira e sua mulher, a Dna Maria Isabel, foi um dos pontos altos do trabalho. Mesmo o Seu Manoel tendo brigado comigo uma vez! Fiquei tão nervosa que até fui ao banheiro chorar, mas no final ele fez as pazes comigo, mordendo minha bochecha! Cansei de ir na Liberdade levar a Dna Maria Isabel comprar as pedrinhas (pedras semi-preciosas brasileiras). E um dia, a pedido do Leon, fui acompanhar o seu Manoel escolher a locação de um curta. No processo, ele me falou uma frase inesquecível: "Escolher a locação é como escolher uma mulher: tem muitas boas, mas só uma perfeita"
- acompanhei Joffre Soares na Mostra, que veio com o seu filho, Sacha. Era um dia de chuva em SP... fui com o Sacha fazer as credenciais e perguntei se ele queria que eu comprasse um guarda-chuva. Sacha me respondeu que não usava guarda-chuva, que era contra - "No Rio, as pessoas andam de guarda-chuva embaixo das marquises. É um inferno. Odeio guarda-chuva". Nunca me esqueci disso!
- no lançamento de "Cidade Baixa", de Sérgio Machado, muitos dos convidados internacionais ficaram encantados com o Lázaro Ramos, que estava presente. Pediram para ir falar com ele e eu fui responsável por traduzir toda a conversa... foi como ser paga para escutar a conversa dos outros.
- ainda falando do Sérgio, um dia estávamos só mulheres na sala do hotel e começamos aqueles papos femininos. Tudo começou com o diretor argentino que era super bonito - fomos falando do filme dele, que tinha uma adolescente que menstruava pela primeira vez e que tinha que usar um absorvente interno. O papo fluiu com mil experiências, casos e muitas risadas. Até a Guta parar e falar: - Gente, o Sérgio tá aqui ouvindo tudo! Num computador de canto, lá estava Sérgio Machado usando a internet. Morremos de rir, ele inclusive.
- o cineasta americano, de primeira viagem, Eric Worthman ficou tão agradecido que resolveu dar um presente para toda a produção. Foi até o supermercado e comprou uma garrafa de pinga 51 pra todo mundo!
- particiei de um jantar com Abbas Kiarostami. Conheci o Guy Maddin, o Amos Gitai, Jane Birkin, Victoria Abril, Wolfgang Becker, Dani Tanovic...
- ouvi a frase que virou nosso bordão "I can't, I'm too fertile"
- uma das melhores festas da Mostra foi o encerramento no Terraço Itália. Lembro de ver a nata do cinema brasileiro reunido no mesmo lugar. E ainda revi meu colega de faculdade, Marcelo Galvão, que ganhou o prêmio do público com seu filme "4aB".
- Sergej Stanojkovski é um cineasta croata radicado na Alemanha. Ele veio para passar todo um festival. No meio, depois de passar o dia com ele e levá-lo num jantar, deixei ele e mais alguns convidados num táxi para o Vegas. No dia seguinte, soube que ele tinha sido atropelado na saída. Foi um grande susto pra todo mundo! Conseguimos prestar o melhor auxílio pra ele, até chamei o ortopedista amigo do meu pai que falava alemão. Um dia, fui acompanhar a Renata e o Leon até o quarto dele, para saber se estava tudo bem e se ele precisava de mais alguma coisa. ele veio de muletas e só de cueca receber a gente. Lembro que na saída, a Renata e eu tivemos uma crise de risos.
- Ensaio da Vai-Vai com os convidados era sempre imperdível! E a feijoada...
Anos mais tarde, na HBO, comecei a cobrir o evento. No meu primeiro ano em programas, fiz um especial de 25 minutos da Mostra. Tenho muito orgulho disso.
aí, as experiências foram outras: de entrevistar os convidados.
Fiz algumas inesquecíveis, como do espanhol José Luis Guerín, que ainda lembrou de mim anos mais tarde, quando nos encontramos em Toronto. Tomas Alfredson, de "Deixa ela entrar". Rodrigo Santoro e os dois diretores de ""I love you Phillip Morris", Glenn Ficarra e John Requa.
e Wim Wenders. 15 minutos com ele, falando sobre seus filmes, seus diretores prediletos, a carta branca que a Mostra tinah lhe dado.
2 comentários:
Chorei feito Pati Pahl! Lindo texto, querida, e muitos destes momentos nós vivemos juntas! Ainda não consegui escrever nada sobre a Mostra e sei que preciso fazê-lo para digerir a tristeza... Parabéns, sweety!
Tedesca! Que delicia de retrospectiva. Amo a mostra. Amo você. E a nossa vida de cinema.
Beijos
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